Branding não é "promptável"
Por Letícia Luzbel
Sócia-Coordenadora de Estratégia
A essa altura, chega a ser quase óbvio dizer que o avanço da inteligência artificial tem transformado a forma como marcas operam, criam e se relacionam. No Brand Insights 2025, abordamos o tema da IA generativa e como seu uso em marketing e branding cresceu significativamente nos últimos anos. A tecnologia abriu espaço para escalar operações criativas e entregar experiências personalizadas como nunca antes.
E tudo isso já é realidade. A Farfetch, por exemplo, reportou um aumento de 75% nas vendas entre os clientes que utilizaram recursos de personalização com IA generativa. Já a Accenture estima que cerca de 40% das atividades criativas podem ser automatizadas ou otimizadas por essa tecnologia (dados via Brand Insights 2025).
Mas em meio ao fascínio — e à corrida por eficiência e escala — surge um risco silencioso: delegar à IA o que nunca foi, e não pode ser, função dela.
Do ponto de vista de quem coordena estratégias de marca em uma consultoria, me permito compartilhar o que observo no dia a dia: a IA entende o que é dito. O consultor especialista capta o que não foi dito — e que, muitas vezes, é justamente o que mais importa.
Ela lê as linhas. Nós, as entrelinhas. Ela organiza dados. Nós os interpretamos. Ela reproduz padrões. Nós identificamos os ruídos e revelamos as oportunidades.
Quando falta estratégia, a IA apenas escala o desalinhamento. O resultado? Mais conteúdo, mais entregas, mais presença. Mas também mais ruído, mais confusão, menos relevância.
Na prática, isso significa que:
Se a marca já tem uma comunicação genérica, a IA vai ajudar a torná-la ainda mais abundante, não mais conectada.
Se a cultura interna é rica, mas invisível, a IA não vai traduzi-la. Vai apenas replicar o que está visível — e, muitas vezes, superficial.
Se a essência da marca é sutil, mas potente, é o olhar humano, treinado e sensível, que vai saber como acessá-la, organizá-la e traduzi-la em valor.
Na Essence, antes de qualquer processo de construção de identidade de marca ou rebranding, passamos por muitas horas de conversa com as pessoas por trás da organização. E isso não é um luxo. É parte do método. Só assim é possível acessar nuances, compreender percepções, identificar tensões, mediar visões desalinhadas e encontrar os verdadeiros pontos de valor.
Substituir essas etapas por um prompt pode até gerar uma identidade de marca. Mas será que ela vai, de fato, diferenciar? Conectar? Sustentar valor ao longo do tempo?
E a identidade é só o primeiro passo. Depois dela, vem a gestão. Vem a necessidade de garantir coerência entre discurso e prática. De alinhar cultura interna com posicionamento externo. De manter consistência entre canais, produtos, lideranças e pontos de contato. E tudo isso exige mais do que eficiência operacional. Exige visão estratégica, sensibilidade simbólica e responsabilidade com o que a marca representa no mundo.
Como disse Tor Myhren, VP global de marketing da Apple, no Cannes Lions 2025:
“A boa notícia é que a IA não vai matar a publicidade. A má notícia é que ela também não vai salvá-la. Nós é que temos que salvar a publicidade, acreditando naquilo que sempre nos diferenciou: a criatividade humana.” (via Fast Company Brasil)
Esse raciocínio vale para o branding como um todo. A IA pode, sim, ser uma aliada. Mas quem ancora, direciona e diferencia continua sendo gente.